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quinta-feira, 1 de março de 2012

Amor sem padrão

Doçura, beleza, delicadeza. Um relacionamento a base de pele de veludo, perfumes, poesias, tolerância e respeito. As meninas mundo afora estão se libertando de amarras. Depois de conquistarem espaço no mercado de trabalho, com a família, nas artes ou na política, elas decidiram que é hora de cuidar da sexualidade.

Por Manuella Bezerra // terça-feira, 20 de abril de 2010 para a REVISTA ZENA


Apesar do extenso período de existência da homossexualidade feminina, o fenômeno massivo invadiu as ruas há poucos anos, no Brasil. É comum ver casais genuinamente femininos passeando nos shoppings e desfrutando de românticos jantares em restaurantes. Alguns atribuem a ‘debandada’ geral das moças ao modismo. Outros ponderam que a redução do preconceito e a elevação do sentimento de liberdade aumentaram o grau de curiosidade, a vontade de experimentar novas emoções. Mas a maioria defende: em tempos onde se pode ser o que se é, o que as mulheres precisam é amar e desejar quem quer que elas queiram, sem padrões.

“Ninguém nasce querendo ser homossexual. Mas eu sou. E aí? Significa que quero agredir alguém? E porque a sociedade se sente tão agredida com aquilo que eu faço, com a minha vida? Quem é gay não pode se permitir viver no gueto, escondida na escuridão. Quem é gay quer somente buscar a felicidade, assim como quem não é. Imagina como deve ser horrível estar com alguém somente para justificar algo, para ‘passar recibo’”, contou Isabele Ferraz*, Personal Trainer de 29 anos. “Descobri minha sexualidade ainda cedo. Aos 15 anos tive minha primeira namoradinha. No início éramos somente amigas que se beijavam. Estávamos nos descobrindo, como qualquer casal. O resto veio com muito tempo, naturalmente, assim como com um jovem casal hetero. Depois terminamos e até tive uma ou outra experiência com homens, mas conheci minha esposa e estamos juntas desde então, já faz cinco anos”, completou.

Não se sabe ao certo quem foi a primeira corajosa a sair do armário. Muito menos quando ou onde isso aconteceu. Sabe-se somente que faz tempo, equivalente a homossexualidade masculina, existente desde o dia que pairou um homem sobre a terra. Nos séculos XVI, XVII e XVIII falou-se de relações sexuais entre freiras em várias novelas e poemas. No fim do século XVI, o escritor francês Pierre de Bourdeille (o mestre de Brântome) falava de um movimento que exaltava a relações entre mulheres na Itália e França. Liderado por uma senhora nobre, possivelmente a rainha França, Catalina de Médici, o grupo de mulheres se intitulou “Batalhão vôo”.

Outras mulheres da época também ficaram conhecidas pelas suas tendências homossexuais, como Juana de Arco, Catalina de Erauso e a rainha Cristina, da Suécia. E como tudo se denomina nessa vida, elas foram chamadas de lésbicas – dizem que a inspiração veio da poetisa grega Safo, nascida na ilha de Lesbus, na região do Mar Egeu, que redigia poesias sobre amor, beleza e erotismo, em sua maioria dirigida às mulheres.

Mas imagine. Se as mulheres eram reprimidas pelos maridos ainda quando heterossexuais, os casos de homossexualidade foram, por séculos, abafados, classificados como bruxaria e, até hoje, evita-se o assunto. Mas isso não fez com que outras inúmeras mostrassem a cara e exigissem respeito, anônimas, ou, até mesmo, reconhecidas, como a fascinante e misteriosa atriz sueca Greta Garbo, uma das mais influentes do século XX. A pintora mexicana Frida Kahlo, apesar de ter tido vários homens, também teve inúmeras experiências com mulheres, além das cantoras brasileiras Cássia Eller, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Simone, Mart’nália, Zélia Duncan, e a atriz Cláudia Gimenez.

E mais. Não somente as que se denominam gays, as simpatizantes têm se mostrado sem preconceitos para buscar experiências. Na décima edição do Big Brother Brasil, das oito participantes mulheres, uma era assumidamente lésbica e outras quatro – que se autodenominavam heterossexuais – admitiram em rede nacional já terem trocado, ao menos, um beijo com outras moças do lado de fora do programa. Caso parecido aconteceu bem aqui. A turismóloga Aldecir Coimbra*, 24 anos, sempre foi baladeira, mas também curiosa. Namorou homens a vida inteira. Até que, em uma festa, entregou-se ao desejo. “Estávamos dançando como amigas e quando percebi, estávamos nos beijando. Nunca havia acontecido de eu sentir esta vontade por mulheres. E me parece que com ela também não. Quando senti, me entreguei, qual o problema? Já sou bem grandinha para entrar em crises, não é mesmo? Se rolar de ter algo mais sério, teria sem dúvidas”, revelou meio a gargalhadas.

Há pouco tempo, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia passou a condenar as promessas de tratamento para reverter a homossexualidade, influenciado pela decisão da Organização Mundial de Saúde, que deixou de considerar a condição como uma doença, passando a ser fruto da personalidade, relação de comportamento e orientação do desejo.

Ainda assim, o que mais tem nesse mundo é gente teorizando sobre os ‘porquês’ de um indivíduo ser homossexual. Por isso, teses e mais teses são desenvolvidas. Mas seja por influência ambiental, genética ou da formação psicológica, há um ponto que ninguém debate: não se opta por ser homossexual. Com uma sociedade preconceituosa e cruel com as diferenças, com a repressão da família e o julgamento no trabalho, não se optaria, caso fosse possível. Mas quando se fala em homossexualidade, trata-se, basicamente, de desejo. E desejo é, definitivamente, uma coisa inerente ao querer, onde o organismo leva em consideração o cheiro, a pele, a química, a estética do indivíduo desejado. E não se ele é ou não do sexo oposto, como muitos defendem.

Considerado um dos psicanalistas mais importantes da história, Sigmund Freud desenvolveu trabalhos teórico-clínicos em que a homossexualidade é discutida. Entre eles, ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910), O caso Schereber (1911) e, em especial, um que trata exclusivamente dos casos que envolvem mulheres: Psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1920). Os textos tratam a homossexualidade como uma posição libidinal legítima como a heterossexualidade, mas baseia toda sua teoria no complexo de Édipo. A teoria diz que quando a criança atinge o período sexual fálico na segunda infância e percebe a diferença de sexos, tende a fixar a sua atenção libidinosa nas pessoas do sexo oposto no ambiente familiar e cria aversão ao mesmo sexo. Colocando-os como um grupo à parte da humanidade, possuidores de características especiais são classificados como ‘invertidos’. Por causa das teorizações, Freud e, por consequência, os terapeutas freudianos, foram classificados como homofóbicos.

Para a diretora do Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática (Isexp), Sylvia Faria Marzano, em texto publicado na página oficial da entidade, entre tantos conceitos, o mais coerente deles é a definição de Lílian Federmam (1981). Ela defende o lesbianismo como “uma relação na qual duas mulheres trocam fortes emoções e afetos entre si”. Segundo a teoria, “o contato sexual pode ser parte dessa relação num maior ou menor grau, ou pode estar inteiramente ausente”. Outra definição defendida por Marzano é dentro da mesma perspectiva, desta vez, do “Grupo de Luta pela Libertação Lesbiana”, de Barcelona, que em 19981 defendeu que “a lésbica não persegue o prazer sexual como finalidade única na relação com a companheira. Seu objetivo não é tanto o sexo, senão a busca de níveis profundos de comunicação, esferas de ternura, carinho e delicadeza. A essência do amor lésbico é a pura sensibilidade. Poder-se-ia dizer que a lesbiana sexualiza a amizade, pois a relação sexual nasce de um sentimento profundo que tem sua base no amor”.

A estudante Priscila Oliver*, de apenas 18 anos, concorda em tudo. Para ela, quando busca uma relação, procura um contexto, uma série de elementos que, até então, só vieram com meninas. Desde os 14 anos concluiu que se sentia atraída por meninas e, até então, nunca conheceu um homem sexualmente. “Tive um namoradinho quando mais nova, mas não chegou a acontecer nada. Hoje, depois de ter relacionamentos longos com meninas, acredito que toparia até viver a experiência com um homem, mas tem que rolar naturalmente, com desejo, envolvimento”, comentou. Depois de anos, hoje, ela tem plena certeza que era gay desde a infância. “Lembro que tive uma professora pela qual eu até me apaixonei. Deveria Ter uns seis anos. Por isso, a partir do momento que comecei a ficar mais velha, já compreendi minha sexualidade”, contou Priscila, que acaba de terminar um namoro de dois anos, com outra menina, lógico.

A psicóloga do Instituto Carl Rogers do Recife, Isadora Dias, é heterossexual e pratica outro braço da terapia distinta da freudiana. Os terapeutas Rogerianos – Psicólogo norte-americano precursor da psicologia humanista – baseiam seus estudos com a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), onde a melhor maneira de se ajudar alguém é acreditar na pessoa e em sua possibilidade de pensar, sentir, buscar e direcionar sua própria necessidade de mudança. “A homosexualidade é uma possibilidade natural de realização afetiva ou sexual. E que sempre existiu em toda a história da humanidade. O ser humano é capaz de amar todas as coisas e criaturas, até objetos. É capaz de sentir prazer sexual com qualquer pessoa, lugares ou até pensamentos. É de se esperar a homossexualidade”, afirmou. “Acredito que o mais coerente é observar a particularidade de cada história para buscar coerência sobre qualquer aspecto da personalidade ou comportamento. Neste caso, realmente, cada caso é um caso”, completou.

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