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domingo, 20 de maio de 2012

Um pouco mais de Centralismo Democrático



Saiu hoje, mais cedo um pouco, o resultado oficial das Previas do Partido dos Trabalhadores. Depois de uma novela de meses e meses e meses (destas com direito a mocinho, bandido e história de amor, pra Manoel Carlos nenhum botar defeito), João da Costa – o prefeito do Recife desde janeiro de 2009 – venceu a eleição interna e, a princípio, parece que será mesmo candidato à reeleição no pleito de outubro. Mas o que era pra ser um processo simples transformou-se na maior celeuma já vista e acompanhada pela política pernambucana. 

Mas quem sou eu no jogo do bichou pra achar que posso escrever um texto sobre processos do partido alheio? Ninguém. Não sou jornalista de política, não sou militante já faz tempo e, principalmente, não sou a favor nem contra nada nesse processo todo (mentira, sou totalmente contra a direita).Mas sou enxerida, e isso basta.

Tem uma coisa que eu aprendi ainda menina na vida e que trago comigo até hoje; e que me ajudam em qualquer tipo de relação. É o princípio leninista do centralismo democrático. Vou explicar: O centralismo democrático é uma forma de exercer uma democracia interna partidária; onde os membros debatem entre si até o desgaste argumentativo para, então, pôr-se em votação as questões, que em seguida serão defendidas por todos os membros, inclusive os que tiveram sua proposta derrotada. O direito à facção, por exemplo, foi totalmente abolido no Partido Comunista Soviético ainda em 1920, o que pra mim, humildemente, foi decisão acertada, mas isto é outra história. 

Isso porque, sem rodeios, centralismo democrático é aquilo que a gente aprende desde a infância sobre a tal da democracia. Tipo quando a gente vai pra casa da amiga ver filme em grupo; três querem ver Wolverine e dois querem o novo do Almodóvar. Geral vai ver Wolverine e é ridículo que, por causa disso, os outros dois se levantem e vão embora. Vence a maioria e não adianta bater o pé e nem fazer bico. Tem que abrir mão do individual pelo desejo do coletivo e cabôsse. Este é um princípio que serve pra qualquer que viva em sociedade.

E porque eu estou falando isso tudo? Pelo seguinte. É que quando a gente aprende que bicho é esse, fica praticamente impossível compreender a forma com que a democracia é exercida pelo Partido dos Trabalhadores. Lógico que a gente compreende e respeita as divergências, claro que em um só partido mais de uma pessoa pode ter interesse em ser candidato a isso ou aquilo; óbvio que um partido pode ter grupos e estes grupos disputarem uma eleição interna. 

Mas a influência trotskista na condução do processo de prévias do Partido dos Trabalhadores é clara como água. Os trotskistas nunca engoliram o centralismo democrático. É um câncer fraticida; uma tentativa revisionista de desvirtuar e confundir a esquerda revolucionária através de um pensamento divisionista, que chega a ser desrespeitoso com o coletivo, com as decisões das maiorias. 

Foi assim que comecei a avaliar o processo de prévias petistas desde o início. E a me desesperar com a quantidade de sequelas que aquilo ia deixar no conjunto das forças populares do Recife. Porque veja, Humberto Costa pode não ir com a cara de João da Costa; João Paulo também. João da Costa pode ser ruim no manejo político e Rands pode querer ser candidato até a presidente do Uzubequistão se ele quiser, mas a exposição dos problemas internos e das divergências ao público foi o primeiro grande equívoco histórico dos companheiros petistas, lideranças às quais sempre admirei, militei, saí na rua e sapateei até o chão pra defender nas eleições.  

O que era pra ser um debate ideológico interno – na mais pura teoria onde eu, ingenuamente, insisto em me manter – virou um leva e trás de fofocagem, uma grande lavagem de roupa suja de problemas pessoais e relacionais de umas tias-lavadeiras que cá entre nós, já tem tanto tempo de serviço que era de se esperar cinquenta centavos ou um real a mais de jogo de cintura pra transportar a trouxa de roupa na cabeça.

Arenga por arenga, eu nem reclamo. Quem é arengueira tá aqui. Problema é que no lugar de fortalecer, os cacos voaram pra todo lado, cortando todo mundo – teve até um que pegou em mim. E o que tem de ferida aberta que vai render cicatrizes destas cirúrgicas, não tá escrito em livro de 500 páginas.

E enquanto o PT espalhava o sangue, enquanto seus militantes postavam irresponsavelmente coisas sobre a moral questionável de quem sempre foi camarada, a população se confundiu e a direita pernambucana assistiu ao filminho com direito à Combo de pipoca triplo e aplausos de pé. E convenhamos, esquerda de Pernambuco, a sorte é que a direita aqui é totalmente dividida e os nomes cogitados tem muito pouca força política na cidade. 

Afora isso, pouca coisa. A não ser o erro grave de uma simples análise de correlação de forças antes de enfiar carroça com boi e tudo sede do PT adentro. Até eu consegui fazer isso, qualquer macaco bem treinado faria; tivesse ele pensando com o cérebro e não com as vísceras. A rejeição que João da Costa tem na Classe média – maior parte dela por conta dos problemas da classe média em deixar seu carro em casa e ir trabalhar de bicicleta, ônibus ou caminhando – não reflete nem nunca refletiu na relação dele com a base petista. Eu, classe média com raiva do engarrafamento, não voto nas prévias do PT. Nem minha mãe, ela também não vota. Meu irmão, médico, protótipo da classe média – Puto com João da Costa – também não vota nas prévias do PT. Quem vota é Dona Maria da sétima zonal, e seu José da borracharia, esse vota também, filiado desde milnovecentos e Lula lá. E os coordenadores das Zonais são trabalhadores da gestão, era fácil de prever; cantei essa pedra.

É bom explicar aqui também que eu nunca, nunca no Brasil tive empatia alguma pelo nosso prefeito. Acho um chato e votei nele naquele esquema de todo mundo, abracei o candidato da Frente Popular – como sempre fiz enquanto soldada bolchevique que sou. Mas é preciso ser macho nessa vida, viu? A gestão desse moço antipático aí é de responsabilidade de toda Frente de Esquerda. Não adianta, agora, se jogar do barco em movimento. Este é sim um projeto político encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores e, por mais que neguinho negue, tava na gestão até um mês atrás. 

E de tão desgastante, doloroso e despolitizado que foi o processo todo de prévias, aí deve aparecer gente aqui pra me xingar e dizer “#mimimi ele ganhou comprando voto”, “#mimimi eles são feios e ladrões”, “#mimimi piratas do Recife”; o que me lembra claramente meus tempos de movimento estudantil, quando a gente não tem maturidade pra perder e assumir a derrota, além do que, nessa novela aí tá faltando santo e puro. 

Eu não sei vocês. Eu não sou do PT, mas desde o princípio dessa confusão sempre soube que dela sairia o meu provável candidato a prefeito – a não ser que algo muito inovador aconteça a partir de agora na Frente de Esquerda. Eu votaria e faria campanha para Maurício Rands e é possível que faça pra João da Costa. Tudo isso sabe porquê? Porque em 1999 eu tirei meu título de eleitor. No ano 2000 eu passei em muitas, mas muitas salas de aula pedindo votos; em outubro eu me derramei em lágrimas postada naquele marco zero, vestida de vermelho dos pés à alma para comemorar que, finalmente, a minha cidade saia das mãos da maldita direita. 

E no meio disso tudo, eu que era uma menina, cresci junto com minha cidade. Vi ela evoluindo, se transformando. Vi o povo do Recife mais ouvido, mais feliz. Vi as ruas mais limpas, as pessoas mais satisfeitas, a cidade mais democrática. Vi os carnavais e a cultura local se tornarem referência, presenciei tanta evolução, e evoluí junto. João Paulo foi prefeito muito tempo e é parte disso. João da Costa foi gestão por 12 anos, também é parte disso. Rands, como não? Militante histórico, é totalmente parte disso. E eu? Que chorei, debati, arenguei, convenci, defendi? Sou também parte disso. 

Vou continuar no mesmo canto. Esperar o desfecho dessa novela comprida medonha. Torcer pra que as feridas sejam reparáveis é tudo que me resta. Se o resultado vai ser validado, eu não sei. Também não sei o que os bastidores da política planejam, nem o que pensam as nossas lideranças. Se vão anular aqui, lançar não sei quem ali. Mas uma coisa eu sei. Continua dependendo disso tudo os botões que eu vou apertar em três de outubro; e mais, a emoção que eu vou sentir. É o tal do centralismo democrático, lembram? Esse danado, que não me larga.