Saiu hoje, mais cedo um pouco, o
resultado oficial das Previas do Partido dos Trabalhadores. Depois de uma
novela de meses e meses e meses (destas com direito a mocinho, bandido e
história de amor, pra Manoel Carlos nenhum botar defeito), João da Costa – o
prefeito do Recife desde janeiro de 2009 – venceu a eleição interna e, a
princípio, parece que será mesmo candidato à reeleição no pleito de outubro.
Mas o que era pra ser um processo simples transformou-se na maior celeuma já
vista e acompanhada pela política pernambucana.
Mas quem sou eu no jogo do bichou pra
achar que posso escrever um texto sobre processos do partido alheio? Ninguém.
Não sou jornalista de política, não sou militante já faz tempo e,
principalmente, não sou a favor nem contra nada nesse processo todo (mentira,
sou totalmente contra a direita).Mas sou enxerida, e isso basta.
Tem uma coisa que eu aprendi ainda
menina na vida e que trago comigo até hoje; e que me ajudam em qualquer tipo de
relação. É o princípio leninista do centralismo democrático. Vou
explicar: O centralismo democrático é uma forma de exercer uma democracia
interna partidária; onde os membros debatem entre si até o desgaste
argumentativo para, então, pôr-se em votação as questões, que em seguida serão
defendidas por todos os membros, inclusive os que tiveram sua proposta
derrotada. O direito à facção, por exemplo, foi totalmente abolido no Partido
Comunista Soviético ainda em 1920, o que pra mim, humildemente, foi decisão
acertada, mas isto é outra história.
Isso porque, sem rodeios, centralismo
democrático é aquilo que a gente aprende desde a infância sobre a tal da
democracia. Tipo quando a gente vai pra casa da amiga ver filme em grupo; três
querem ver Wolverine e dois querem o novo do Almodóvar. Geral vai ver Wolverine
e é ridículo que, por causa disso, os outros dois se levantem e vão embora.
Vence a maioria e não adianta bater o pé e nem fazer bico. Tem que abrir mão do
individual pelo desejo do coletivo e cabôsse. Este é um princípio que serve pra
qualquer que viva em sociedade.
E porque eu estou falando isso tudo?
Pelo seguinte. É que quando a gente aprende que bicho é esse, fica praticamente
impossível compreender a forma com que a democracia é exercida pelo Partido dos
Trabalhadores. Lógico que a gente compreende e respeita as divergências, claro
que em um só partido mais de uma pessoa pode ter interesse em ser candidato a
isso ou aquilo; óbvio que um partido pode ter grupos e estes grupos disputarem
uma eleição interna.
Mas a influência trotskista na condução
do processo de prévias do Partido dos Trabalhadores é clara como água. Os
trotskistas nunca engoliram o centralismo democrático. É um câncer fraticida;
uma tentativa revisionista de desvirtuar e confundir a esquerda revolucionária
através de um pensamento divisionista, que chega a ser desrespeitoso com o
coletivo, com as decisões das maiorias.
Foi assim que comecei a avaliar o
processo de prévias petistas desde o início. E a me desesperar com a quantidade
de sequelas que aquilo ia deixar no conjunto das forças populares do Recife.
Porque veja, Humberto Costa pode não ir com a cara de João da Costa; João Paulo
também. João da Costa pode ser ruim no manejo político e Rands pode querer ser
candidato até a presidente do Uzubequistão se ele quiser, mas a exposição dos
problemas internos e das divergências ao público foi o primeiro grande equívoco
histórico dos companheiros petistas, lideranças às quais sempre admirei,
militei, saí na rua e sapateei até o chão pra defender nas eleições.
O que era pra ser um debate ideológico
interno – na mais pura teoria onde eu, ingenuamente, insisto em me manter –
virou um leva e trás de fofocagem, uma grande lavagem de roupa suja de
problemas pessoais e relacionais de umas tias-lavadeiras que cá entre nós, já
tem tanto tempo de serviço que era de se esperar cinquenta centavos ou um real
a mais de jogo de cintura pra transportar a trouxa de roupa na cabeça.
Arenga por arenga, eu nem reclamo. Quem
é arengueira tá aqui. Problema é que no lugar de fortalecer, os cacos voaram
pra todo lado, cortando todo mundo – teve até um que pegou em mim. E o que tem
de ferida aberta que vai render cicatrizes destas cirúrgicas, não tá escrito em
livro de 500 páginas.
E enquanto o PT espalhava o sangue,
enquanto seus militantes postavam irresponsavelmente coisas sobre a moral
questionável de quem sempre foi camarada, a população se confundiu e a direita
pernambucana assistiu ao filminho com direito à Combo de pipoca triplo e
aplausos de pé. E convenhamos, esquerda de Pernambuco, a sorte é que a direita
aqui é totalmente dividida e os nomes cogitados tem muito pouca força política na
cidade.
Afora isso, pouca coisa. A não ser o
erro grave de uma simples análise de correlação de forças antes de enfiar
carroça com boi e tudo sede do PT adentro. Até eu consegui fazer isso, qualquer
macaco bem treinado faria; tivesse ele pensando com o cérebro e não com as
vísceras. A rejeição que João da Costa tem na Classe média – maior parte dela
por conta dos problemas da classe média em deixar seu carro em casa e ir
trabalhar de bicicleta, ônibus ou caminhando – não reflete nem nunca refletiu
na relação dele com a base petista. Eu, classe média com raiva do
engarrafamento, não voto nas prévias do PT. Nem minha mãe, ela também não vota.
Meu irmão, médico, protótipo da classe média – Puto com João da Costa – também
não vota nas prévias do PT. Quem vota é Dona Maria da sétima zonal, e seu José
da borracharia, esse vota também, filiado desde milnovecentos e Lula lá. E os
coordenadores das Zonais são trabalhadores da gestão, era fácil de prever;
cantei essa pedra.
É bom explicar aqui também que eu nunca,
nunca no Brasil tive empatia alguma pelo nosso prefeito. Acho um chato e votei
nele naquele esquema de todo mundo, abracei o candidato da Frente Popular –
como sempre fiz enquanto soldada bolchevique que sou. Mas é preciso ser macho
nessa vida, viu? A gestão desse moço antipático aí é de responsabilidade de
toda Frente de Esquerda. Não adianta, agora, se jogar do barco em movimento.
Este é sim um projeto político encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores e, por
mais que neguinho negue, tava na gestão até um mês atrás.
E de tão desgastante, doloroso e
despolitizado que foi o processo todo de prévias, aí deve aparecer gente aqui
pra me xingar e dizer “#mimimi ele ganhou comprando voto”, “#mimimi eles são
feios e ladrões”, “#mimimi piratas do Recife”; o que me lembra claramente meus
tempos de movimento estudantil, quando a gente não tem maturidade pra perder e
assumir a derrota, além do que, nessa novela aí tá faltando santo e puro.
Eu não sei vocês. Eu não sou do PT, mas
desde o princípio dessa confusão sempre soube que dela sairia o meu provável
candidato a prefeito – a não ser que algo muito inovador aconteça a partir de
agora na Frente de Esquerda. Eu votaria e faria campanha para Maurício Rands e
é possível que faça pra João da Costa. Tudo isso sabe porquê? Porque em 1999 eu
tirei meu título de eleitor. No ano 2000 eu passei em muitas, mas muitas salas
de aula pedindo votos; em outubro eu me derramei em lágrimas postada naquele
marco zero, vestida de vermelho dos pés à alma para comemorar que, finalmente,
a minha cidade saia das mãos da maldita direita.
E no meio disso tudo, eu que era uma
menina, cresci junto com minha cidade. Vi ela evoluindo, se transformando. Vi o
povo do Recife mais ouvido, mais feliz. Vi as ruas mais limpas, as pessoas mais
satisfeitas, a cidade mais democrática. Vi os carnavais e a cultura local se
tornarem referência, presenciei tanta evolução, e evoluí junto. João Paulo foi
prefeito muito tempo e é parte disso. João da Costa foi gestão por 12 anos,
também é parte disso. Rands, como não? Militante histórico, é totalmente parte
disso. E eu? Que chorei, debati, arenguei, convenci, defendi? Sou também parte
disso.
Vou continuar no mesmo canto. Esperar o
desfecho dessa novela comprida medonha. Torcer pra que as feridas sejam reparáveis é
tudo que me resta. Se o resultado vai ser validado, eu não sei. Também não sei
o que os bastidores da política planejam, nem o que pensam as nossas
lideranças. Se vão anular aqui, lançar não sei quem ali. Mas uma coisa eu sei.
Continua dependendo disso tudo os botões que eu vou apertar em três de outubro;
e mais, a emoção que eu vou sentir. É o tal do centralismo democrático,
lembram? Esse danado, que não me larga.
4 comentários:
Manu,
Reduzir a discussão das irregularidades que aconteceram nas prévias a "mimimi" é o que acaba com a sua (ótima) argumentação. O que aconteceu foi mais ou menos assim: só havia uma amiga a fim de assistir Wolverine. As outras diziam, "ok, mas nos diga por que Wolverine é um bom filme". Aí a amiga foi levando na conversa, até que chegou a hora de assistir o filme e ela disse "vai ser Wolverine". É claro que as outras amigas disseram "peraê... Wolverine um carái". Aí decidiram votar qual seria o filme escolhido. Até que chega a que queria assistir Wolverine, oferece uma grana pra umas, apresenta uns votos de outras que sequer vão assistir ao filme e pronto: ganhou Wolverine e as que queriam assistir Almodóvar que fechem o fiu! e assistam às aventuras do mutante cabuloso. Isso é centralismo democrático? Acho que não.
Os números reais das prévias são o seguinte: 14 mil votantes, dos quais 5 mil em situação irregular conforme as regras do estatuto do partido. Praticamente a totalidade desses 5 mil eram eleitores de João da Costa (que, não à toa, foi quem brigou para que os irregulares pudessem votar). Vitória do prefeito por 553 votos. Uma conta simples mostra que, sem os irregulares, a vitória de Rands seria esmagadora.
Some-se a isso a força da máquina durante todo o processo (demissões e oferecimento de cargos por votos, compra de lideranças e de votos) e especificamente no dia da votação (quatro vezes mais advogados e fiscais, militância paga, derrame de camisas, PMs e civis de folga escalados como seguranças para garantir a provocação). Esse foi o cenário.
Meu perfil é muito parecido com o seu. Não sou filiado, sempre votei e defendi João Paulo, Humberto, Rands e votei em João da Costa naquela de que era o candidato do partido. A sensação que eu tenho, hoje, é a de que o PT perdeu para um outro partido. Não me sinto representado por quem age exatamente como a Direita (da qual você também se mostra radicalmente contra) age.
Enfim, é só a opinião de quem viu tudo bem de perto. Nada de pedras atiradas contra você ou seu texto.
Bjão
Caro amigo, sua argumentação também foi ótima mesmo, mas não me convence. O que defendo do centralismo democrático é justamente o isso, sou contra esta exposição exacerbada e sem controle das questões internas; isso que acho que você não entendeu. Acho que tem perfeitamente como vocês se matarem sem que toda humanidade perceba que se mataram.Certeza de quem já vivenciou episódios semelhantes. Realmente não consigo mesmo compreender, é bem difícil pra mim. Também acho que, ainda que não seja filiado, tens um envolvimento emocional inegável com uma ala do PT que, no final das contas, faz tu ter olhos somente pra o defeito do outro. Como disse no texto, não tem puro nesta história. Não tem isso de só ele compra e só ele vende. A gente sabe disso...De repente a burra sou eu, vai saber. Mas acho que prefiro assim! Beijão :**
"Como disse no texto, não tem puro nesta história". E priu. Curti. Faz os coroa e os pré-coroa que acompanham essas mudanças de perto e de longe pensarem e repensarem o que está acontecendo, e o melhor de tudo: faz o mesmo com os que estão chegando agora.
Parabéns à autora pelo olhar dado ao assunto.
Queops Negronski
Concordo plenamente. Sorte da esquerda - e do Recife - que a direita daqui é uma bosta. E vamos ter que engolir João da Costa mais uns anos, fazer o quê?
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