Páginas

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Um dia de livros sem final

O dia hoje acordou feio. O Capibaribe estava cheio, turvo, cor de barro. Percebi isso quando voltava pensativa de Boa Viagem sentido Recife Antigo, já era quase meio de tarde. Cheguei no Centro às 7h30 hoje. Uma indisposição, meio reflexo de algumas noites mal dormidas, aquelas de sonhos intranquilos. Acessei o twitter como sempre e me abati mais do que o normal com a notícia – muito triste – sobre a queda de um avião bimotor quase na avenida Boa Viagem. 16 pessoas, até então sem nome, morreram.

Aquilo me deixou muito aflita, angustiada. Comecei a acompanhar em tempo real a cobertura dos veículos de comunicação. Lembrei-me, inclusive, dos tempos de campanha no Pará, quando a gente se aventurava em Taxis-aéreos que, por diversas vezes, deram sustos com colegas à bordo. O tamanho do aperto no meu peito começou a me incomodar. Comecei a me incomodar com a cobertura mal intencionada de alguns colegas. Me incomodei demais quando soube que um conhecido conhecia um conhecido de alguém que estava no avião. O coração do tamanho de um amendoim. Sempre disse que sou sensitiva, quase bruxa.

A notícia chegou. Carolina* estava no avião. Anderson* é um amigo querido do meu irmão que me viu crescer. Acompanhou meus passos, minhas fases, destes que dá até pitaco na sua vida. Perdeu a mãe e desde muito tempo namorava com Carolina*, uma paulista do interior, que puxa o R, fala muito palavrão e sorri para a vida. Eram casados, então. Ela não tem família em Recife. Acostumamos a tê-los nos encontros de família, nas visitas constantes à casa do meu irmão regadas à arroz de carreteiro e stella artrois. Inclusive no último dia das mães, sentados à varanda da casa de meu pai até o anoitecer, conversando potoca e polemizando a união homoafetiva.

Perdi minha irmã já vai fazer oito anos. E sempre que morre alguém me comporto da mesma maneira. Quando Mirella foi assassinada, me doparam com remédios, mas se há uma lembrança clara é que em nenhum momento me deixaram sozinha. Os amigos se revezavam para segurar a minha mão. E assim faço eu a cada pessoa que se vai.

Meu irmão ainda estava no Cabo de Santo Agostinho com a minha cunhada, à caminho do Hotel onde seria o ponto de apoio. Segui antes. Deus não me queria por lá. Meu pneu furou, eu estava sem estepe. Chorei sozinha no meio da rua, procurei um caixa eletrônico, um borracheiro, um pneu voador. Uma mulher ficou com pena e me deu uma carona. Fui bater no pão de açúcar, larguei meu carro na Agamenon Magalhães. O caixa estava fora do ar. Fui em casa, pedi dinheiro emprestado a babá do meu filho, peguei um taxi, peguei meu pneu, levei ao borracheiro, um homem me cobrou R$20 para trocar o pneu e, finalmente, segui em direção a Boa Viagem.

De pouco adiantou. Não consegui encontrá-los. Ao chegar no Hotel eles já haviam saído. Queria estar do lado. Meu irmão sofre, minha cunhada também. Assim como lembro da Mirella, minha irmã efusiva, berrante de sorrisos, a imagem é a mesma para Carolina*. Ela e Anderson* eram um casal de dar gosto. Destes que se divertem. Ela queria fazer redução de mama, gostava de falar comigo sobre isso nos dias de stella atrois. Mas estava esperando ser mãe de um filho dele, Anderson*, o cara que ela amava e que se abuletou para o Recife para também oferecer esse amor.

Aprendi a lidar com a morte. Tenho choque e saudade no peito. A imagem do avião – e dos corpos – carbonizados é dura. Dor que rasga até o figado, dilacera tudo. Mas não me basta. Me basta seguir adiante. E celebrar, a vida. Alguns me julgam quando eu celebro. Estes dias li emocionada um depoimento sincero de uma colega que disse em um texto ter impressão que eu me obrigava a ser feliz. Explico. Não é obrigação, não me obrigo. É esforço. Sou esforçada para ser feliz. Quando você vai embora? Quando vai acabar para mim? Você sabe?

E o dia estranho e turvo de hoje só comprovam a teoria. A vida começa tão no susto quanto termina. A recompensa deste esforço é ser feliz. Não deixo de sofrer, como não deixo de viver, como não deixo de sorrir. Eu choro e exorcizo. Depois guardo a dor pela manhã, para sofrer somente a noite. E assim não vou deixar nunca de ser feliz, descontroladamente intensa e feliz. Como foi Mirella em vida. E Carolina*, por todos os seus dias até aquele avião cair, esta manhã.

*Anderson e Carolina são nomes fictícios

2 comentários:

Ligui disse...

Parabéns Manu. Texo muito bonito.

Tatiana Notaro disse...

isso confirma minha tese. belo texto, bela percepção. parece vc falando...